sexta-feira, 28 de janeiro de 2011
O Capitalismo precisa da Eutanásia.
O sistema capitalista global está mais uma vez oscilando à beira de uma grave crise financeira e recessão económica. A crise da dívida soberana (pública) na Europa – que ameaça a existência do euro e até da União Europeia (UE) – está causando ondas de choque em todo o mundo. A perspectiva muito real de calotes da Grécia e de países maiores como Espanha e Itália se aproxima. Isso por sua vez pode derrubar os grandes bancos e desencadear uma nova crise de crédito ainda mais terrível que a após o colapso do Lehman Brothers 18 meses atrás.
O risco de que a anémica “recuperação” económica dos últimos seis meses se torna em uma recessão de “duplo mergulho” é agora visto como um perigo por governos e economistas que há apenas algumas semanas atrás rejeitavam tal cenário.
Os eventos europeus – os maiores protestos de trabalhadores na Grécia em quase 40 anos, ataques draconianos aos salários, aposentadoras e empregos, e choques agudos entre os governos – são todos sintomas de uma doença crónica do sistema capitalista. A fase actual da crise é agravada pelas próprias políticas apresentadas como “a cura” para a fase anterior. Para superar a crise de crédito e o colapso parcial do sistema bancário global, os governos introduziram políticas de estímulo sem precedentes sob um plano coordenado globalmente pelo G20. Isso impediu uma contração econômica mais séria na época. Os governos resgataram bancos e companhias altamente endividados, em alguns casos nacionalizado-os como um “expediente temporário”. Mas com a economia ainda organizada nos moldes do capitalismo, cegamente, com gangues capitalistas rivais pondo lucros de curto prazo antes dos interesses globais da sociedade, então inevitavelmente os distorcidos pacotes “keynesianos” de resgate de 2008 e 2009 forneceram apenas um alívio temporário.
Como explica o economista Nouriel Roubini, “A socialização das perdas privadas e a frouxidão fiscal com o objectivo de estimular as economias em recessão tem levado a um cúmulo perigoso de deficits do orçamento público e dívidas. Então, a recente crise financeira global não acabou; ao invés, ela alcançou uma etapa nova e mais perigosa.”
Não são mais os bancos, mas os próprios governos que precisam de um resgate. Os resgatadores se tornaram os resgatados. Ao invés de devolver o favor, os ingratos bancos e instituições financeiras, ainda carregados de enormes perdas não-divulgadas, estão fazendo tudo para lucrar com isso e assim piorar a crise através da especulação frenética nos mercados de dívidas governamentais. Na Europa, os estados mais poderosos, Alemanha e França, estão relutantemente patrocinando um resgate dos estados mais fracos, começando com a Grécia.
Como os socialistas se esforçam para explicar, esse não é um resgate para a Grécia ou o povo grego, que enfrenta selvagens políticas de austeridade, mas para os bancos e o próprio sistema capitalista. Os bancos da Alemanha e França possuem 70% da dívida grega e se arriscam a serem prejudicados por um calote grego, i.e., o cancelamento dos pagamentos da dívida. O euro está em risco e, com ele, o prestígio e aspirações globais das principais potências europeias. O presidente francês Sarkozy ameaçou abandonar do euro se os líderes alemães não assinassem o último “pacote de resgate” para a Grécia, Portugal, Espanha e outras economias que são o elo fraco. Merkel, a chanceler alemã, verbalizou o que isso poderia significar quando disse: “Esse desafio é existencial e temos que enfrentá-lo. O euro está em perigo… Se o euro cair, então a Europa cai”.
Tal seria a desarticulação econômica da Europa no caso de um desmoronamento da união monetária capitalista europeia, com cada governo tentando diminuir suas próprias perdas às custas dos vizinhos, que a União Europeia talvez não poderia mais se manter juntos. Uma pressão social massiva e um sentimento anti-UE poderiam forçar os governos a romperem com a união. Em uma base capitalista isso provavelmente seria acompanhado de uma eclosão de nacionalismo e de ataques às “causas estrangeiras” da crise.
A condição perigosa da Europa capitalista explica o Fundo de Estabilização Europeu (FEE) de quase 1 trilhão de dólares lançado no início de maio pela UE e FMI para “acalmar os mercados” (i.e., os bancos e fundos hedge) numa tentativa de impedir que o contágio financeiro se espalhasse. Esse pacote sem precedentes de empréstimos de emergência, compras de títulos da dívida e garantias bancárias foi o equivalente europeu à “bazuca” produzida pelo antigo secretário do tesouro dos EUA Hank Paulson após o colapso do Lehman Brothers – o plano “TARP” de 700 bilhões de dólares para comprar os ativos tóxicos ou “problemáticos” acumulados pelo sistema bancário norte-americano. Resta saber se a “bazuca” europeia pode estabilizar a situação – a reação inicial do mercado foi de mais especulação contra o euro.
Como antes, essa é uma crise global. Não está circunscrita à Europa mais do que a crise “subprime” foi apenas um assunto americano. E como pontua Roubini, essa é potencialmente uma fase da crise muito mais séria do que a anterior. A interconexão do capitalismo está plenamente revelada. A Grécia apenas responde por um quadragésimo da economia da zona do euro mas sua crise da dívida ameaça redundar em uma crise financeira européia e até global.
No final de 2009, os bancos da Europa possuiam US$ 2,29 trilhões em risco na Grécia, Itália, Portugal e Espanha. Mais expostos estão os bancos franceses, com US$ 843 bilhões (dinheiro que seria perdido no caso de uma série de calotes soberanos). Mas os bancos dos EUA também estão seriamente expostos. Estima-se que apenas o JPMorgan Chase possui US$ 1,4 trilhão de exposições por toda a Europa, enquanto o Citigroup Inc. possui US$ 468,4 bilhões. Não por acaso, a administração Obama pressionou firme para que a UE/FMI produzissem sua “bazuca”.
Por toda a Europa os governos estão lançando uma massiva ofensiva contra a classe trabalhadora. Isso foi algo que os socialistas do Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores (CIT) alertaram que ocorreria quando os programas de estímulo foram desvelados 18 meses atrás. Na Grécia os salários serão cortados em 20-25% e o desemprego pode dobrar para um quinto da força de trabalho no próximo ano. A Espanha, também governada por um suposto governo “socialista”, planeja as maiores reduções orçamentárias em 30 anos.
O que está acontecendo na Europa agora é uma antecipação do que virá na Ásia amanhã. Nos EUA, a situação a nível dos estados já parece distintamente “europeia”. O colunista do Washington Post Michael Gerson alerta: “Alguns estados grandes, como Califórnia e Nova Iorque, estão à beira da inadimplência. Eles conseguirão grandes reduções de gastos apenas cortando seus níveis salariais e de aposentadoria do funcionalismo público. Isso criará uma grande batalha entre os governos estaduais e o movimento dos trabalhadores”.
Os partidos e comentaristas capitalistas estão falando não de alguns anos difíceis, mas de uma “era de austeridade”. A menos que os trabalhadores se organizem, preparem e lutem então se aproxima uma era sem fim de ataques à frente. No caso do Japão, um estudo recente do instituto suíço IMD fala de “70 anos de austeridade” – teria que se esperar até 2084 para o Japão reduzir sua dívida estatal, actualmente 189% do PIB, a um nível “normal” de 60%. Os capitalistas estão elaborando planos para empobrecer a classe trabalhadora e tomar de volta os ganhos de meio século de luta sindical e política, por isso o que importa é estar alerta e derrotar os planos de exploração do Capitalismo.
Publicada por
Miguel Leite
à(s)
13:58
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