terça-feira, 10 de maio de 2011
A intervenção da verdade e da realidade económica.
Hoje leitores e a propósito da crise e do défice do Estado, aqui fica uma sugestão forte (Nacionalizar)os grandes grupos económicos para o Estado obter as receitas que tanto precisa, para isso aqui fica a muito actual intervenção na Assembleia da República do deputado Lino de Carvalho:
Alteração da Lei nº 91/97, de 1 de Agosto,
Intervenção do Deputado
Lino de Carvalho
««Sr. Presidente,
Queria começar por assinalar um facto bem significativo da forma como o Governo encara esta proposta de lei, esta privatização, esta alienação para privados, esta passagem do domínio público para o domínio privado do Estado, da rede fixa de telecomunicações.
O que sublinha bem a forma como o Governo vê este processo é o facto de ser o Sr. Secretário de Estado do Orçamento a apresentar a proposta de lei e não quem tutela as telecomunicações. Isto confirma, de forma indesmentível, a razão de ser desta proposta de lei. Trata-se de um negócio, um negócio para o operador que vai receber a rede fixa, cujo presidente, aliás, já disse que o preço é interessante, um negócio para o Estado, porque tem absoluta necessidade de obter receitas extraordinárias para equilibrar o Orçamento. Mas, seguramente, trata-se de um mau negócio para o País e de um mau negócio – se quisermos usar esta expressão – relativamente a aspectos que têm a ver com os nossos interesses estratégicos e a nossa soberania.
Não se trata, portanto, de uma operação imposta por razões tecnológicas mas de uma operação imposta unicamente por razões financeiras, por razões de negócio para quem vai receber e para quem vai vender.
Sr. Secretário de Estado, já que estamos a falar em «negócio», afinal, qual é o valor do mesmo, a ponto de o Sr. Presidente Horta e Costa já ter dito que é um preço interessante? São 300 milhões? São 400 milhões? São 600 milhões de euros? Qual é o valor deste negócio?
Em segundo lugar, faço-lhe uma outra pergunta para a qual gostaria de obter um esclarecimento.
Quando, em 1994, se iniciou o processo de privatização da PT, quando se deu a passagem de uma grande parte da empresa para o domínio privado do Estado, o então governo do PSD decidiu manter a rede fixa na propriedade do Estado. Na altura, o PSD explicou porquê, dizendo ser um imperativo nacional, por razões de soberania, de independência e de defesa nacional, a manutenção da rede fixa como propriedade do Estado. Repito que isto era o que o PSD defendia, em 1994, quando a PT era pública e se procedeu à transferência para o domínio privado do que era propriedade directa do Estado.
O que mudou desde então, Sr. Secretário de Estado?
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados
Já percebemos, pelas intervenções, que estamos aqui a tratar de negócios, e nada mais do que isso! Mas, enfim…
Esta não é, seguramente, uma qualquer proposta de lei e, por isso, deve ser tratada mais do que um mero negócio entre os operadores ou entres estes e o Estado. É um problema mais importante, Srs. Deputados. Isto porque, o que o Governo nos propõe, e que, de facto, como já foi dito aqui pelo próprio Partido Socialista e pelo Governo, é a cópia integral daquilo que, uma vez, o Partido Socialista já tinha agendado na anterior Legislatura mas que acabou por não se concretizar, briga com o interesse nacional, como, aliás, o próprio PSD reconhecia em 1994.
Trata-se tão-só de alienar, transferindo do direito público do Estado para o direito privado, a rede fixa de telecomunicações. A razão é simples: o Governo precisa de umas dezenas de milhões de contos de receitas extraordinárias e a PT está interessada num bom negócio. E, Sr. Secretário de Estado do Orçamento, nesta matéria, não desvalorize a questão da avaliação.
O Sr. Secretário de Estado deve estar recordado que, aquando da avaliação da PT para efeitos de privatização, foi o grupo económico que a subavaliou quem depois também participou e adquiriu acções na 1.ª fase do processo de privatização da PT. Portanto, Sr. Secretário de Estado, há razões para temer e desconfiar quando ouvimos o Sr. Presidente da PT dizer, desde já, que isto é um bom negócio para a própria PT.
Mas a questão é mais de fundo e tem a ver com o facto do interesse público, por esta proposta de lei, abrir mão de uma infra-estrutura estratégica, da única rede capilar, de qualidade segura, que leva as comunicações ao mais longínquo lugar do País.
Já disse, há pouco, que, quando a PT era pública, em 1994, o então governo do PSD e o então Primeiro-Ministro, Cavaco Silva entenderam que constituía imperativo nacional, por razões de soberania — esta, aliás, não era uma expressão muito normal no discurso do PSD, mas disse que era por razões de soberania —, a manutenção da rede fixa como propriedade do Estado no domínio do seu direito público, como, aliás, há seis meses, em plena campanha eleitoral (e o Partido Socialista recordou aqui), o então Presidente do PSD afirmou que não lhe passava pela cabeça que a rede fixa fosse vendida.
Por isso, Sr. Deputado Pinho Cardão, volto a perguntar: o que mudou desde então? Isto porque, não foi o que mudou no plano tecnológico desde 1994, já que as alterações tecnológicas não são incompatíveis com a manutenção da rede no domínio público do Estado e de o Estado manter a sua mão, o seu plano estratégico, o seu interesse de soberania sobre uma rede que, obviamente todos estaremos de acordo, briga com o interesse nacional. E muito menos de há seis meses a esta parte, Sr. Deputado Pinho Cardão, porque não se deu qualquer evolução tecnológica. Não foi por qualquer evolução tecnológica ocorrida desde o momento em que o então Presidente do PSD, Durão Barroso, disse que não alienaria a rede pública, não lhe passaria pela cabeça fazê-lo, que agora, que passou a Sr. Primeiro-Ministro, traz esta proposta de lei.
O que mudou desde então, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, foi seguramente o facto de a PT deixar de ser pública desde 1994. Acentuou-se a óptica neoliberal do Governo — pelos vistos o Sr. Primeiro-Ministro Durão Barroso, é mais neoliberal do que era o Sr. Presidente do PSD Durão Barroso, e os dois mais ainda do que era o Primeiro-Ministro Cavaco Silva, em matéria de questões estratégicas para o País — e agravou-se também a dependência do País face aos imperativos de Bruxelas, não tenho dúvidas sobre isto, e, portanto, é preciso fazer este negócio para que o Estado tenha uma receita extraordinária.
Esta é a questão. E, Sr. Secretário de Estado, mesmo que isto fosse o que se passa no resto da Europa não era por isso que nos contentaríamos e ficaríamos silenciosos. Mas não é verdade, Sr. Secretário de Estado! Não é verdade!
Na Holanda, o controlo total é do Estado; na Alemanha, está num operador, mas a Deutsch Telecom tem uma participação de um terço do Estado no seu capital; na França, está no operador, mas a France Telecom é controlada em 55% pelo Estado; em Portugal, isto vai para a PT, que está praticamente fora da posse do Estado, à excepção das poucas acções tipo A que ainda mantém.
Portanto, a situação não é a mesma, Sr. Secretário de Estado. A situação é diferente, e ao entregarmos a um operador privado, que se rege, obviamente, pela lógica legítima do interesse privado, mas não pela lógica do interesse público, estamos a entregar a interesses alheios ao interesse público aquilo que é o domínio desta rede de infra-estrutura estratégica por razões — e recupero as palavras proferidas pelo PSD em 1994 — de soberania e de independência nacional que deveriam estar nas mãos e sob o controlo do Estado.
Assim, em vez de se apostar num desenvolvimento sustentado do País e de se manter, sob responsabilidade pública, sectores e infra-estruturas estratégicas, o Governo envereda por um caminho suicida. «Foram-se os anéis», agora «vão-se os dedos»!
Para terminar, Sr. Presidente, devo dizer que esta é a questão fundamental, e pouco mais há a dizer sobre esta matéria. O núcleo da razão que motiva esta proposta de lei já está detectado. Não há qualquer razão, ou justificação técnica, que sustente a opção de desafectação da rede básica de telecomunicações do domínio público para poder ser objecto de alienação a privados, passando a conduzir-se por uma lógica que não é a do interesse público.
Aliás, mesmo para quem defende este processo, não se compreende que não sejam garantidas as tais condições de concorrência aos operadores privados, mas, aliás, o Sr. Deputado Pinho Cardão explicou aqui com clareza a situação. Eles não têm meios financeiros, eles estão com prejuízos, portanto, o melhor é fazer-se o negócio entre aquilo que é o Estado e o que foi investimento do Estado e o operador de serviço universal e depois eles entender-se-ão, de acordo com os interesses de cada um.
De facto, é tudo uma questão de negócio…
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados,
É politicamente muito significativo que o Sr. Ministro Marques Mendes tenha sentido a necessidade de intervir no debate!
Era sinal de que o debate estava a correr mal para o Governo! Não é verdade, Sr. Ministro?! E também se percebe perfeitamente a razão por que o Sr. Primeiro-Ministro o nomeou Ministro dos Assuntos Parlamentares... Quando é preciso vir «apagar fogos», o Sr. Ministro está cá presente! Elogio lhe seja feito!
Mas, Sr. Ministro, se o debate estava a correr mal, não vai acabar melhor, com toda a certeza! Ó Sr. Ministro, o senhor criticou-me por eu referir a palavra «negócio», dizendo que «negócio» significa suspeição, falta de seriedade. Só que quem usou estas expressões, foi o Sr. Ministro! Não fui eu!
Eu só disse que havia aqui um negócio em que o Governo vendia, por razões de encaixe financeiro, e a PT recebia…
É um «negócio», porque a PT recebe essa rede fixa. Portanto, Sr. Ministro, não fui eu que disse! O presidente da PT é que disse que isto é um negócio interessante!…
Como é que ele pode saber que é um negócio interessante se os senhores vêem aqui dizer que ainda nem sabem se vão alienar a rede e ainda não sabem quais são os valores da rede?! E já se fala em valores da ordem dos 500 ou 600 milhões de euros?!… Ó Sr. Ministro, quem fala em negócios não somos nós! E os senhores não trouxeram aqui quaisquer critérios.
Aliás, o Sr. Ministro acabou por dizer aquilo que estava à vista de todos, que é o seguinte: de facto, o problema da venda da rede fixa só se coloca por razões de encaixe financeiro e por razões de desequilíbrio das contas públicas.
Esse debate foi feito, está feito, é feito e, se calhar, será feito no Orçamento. Aliás, é a «pedra» que vocês vão transportar, com todo o cuidado, durante os próximos quatro anos, se se mantiverem no Governo. Mas não é isso que está aqui em discussão, Sr. Ministro! E se a razão é essa, Sr. Ministro, então diga-me por que é que não há uma linha sobre essa matéria no preâmbulo da proposta de lei?! Por que é que se escondem atrás de pretensos argumentos tecnológicos, Sr. Ministro?! Esta, sim, é que é a questão!
Sr. Ministro Marques Mendes, quero crer que o senhor partilha desta nossa reflexão e : não estamos perante uma venda qualquer, não estamos perante uma alienação qualquer, e quero acreditar que o próprio Sr. Ministro não defende a tese de que o Estado deve alienar tudo.
O Estado tem responsabilidades perante o País, tem a responsabilidade de intervir e de manter no seu controlo sectores estratégicos.
Alienar uma rede básica de telecomunicações da propriedade pública, do domínio público, para a entregar por razões de encaixe financeiro e por razões de negócio para o Estado, Sr. Ministro, não é, seguramente, o caminho para resolver os problemas da economia! Vendem-se os anéis! E depois vendem-se os dedos, Sr. Ministro?!…
De facto, como se dizia recentemente no congresso mundial dos economistas, o problema dos países foi erradamente centrado no défice, quando deve ser centrado — e bem! — na economia, no desenvolvimento da economia, na promoção de investimentos e na melhoria da qualidade de vida, porque é isso que resolve os problemas estruturais do défice.
Ao vendermos e ao alienarmos sectores estratégicos do País, sectores de soberania e de interesse nacional, podemos estar a hipotecar o próprio futuro do País, por razões de curto prazo!»
Publicada por
Miguel Leite
à(s)
06:31
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